Lembra um cenário medieval, onde o Estado se reduziu a tal ponto que os países foram loteados em feudos, onde o que seria o governante não “apitava”. O Povo? Foi “comprado” ou apossado junto com o feudo e passou a ser parte dele como patrimônio do senhor feudal. Pelo visto, os políticos de Honduras – a que interesses servem se foram colocados lá pelo povo? – querem criar uma sociedade feudal pós-moderna no país. Logo, em vez de cidadãos teremos servos pós-modernos, com um detalhe, de empresas – governos? – estrangeiras.
Tegucigalpa, capital hondurenha |
Alguns de vocês podem lembrar que comentamos aqui no blog no ano passado o “negócio” do governo de Honduras com uma empresa norte-americana para a construção de “cidades modelo” no país. O acordo – consolidado através de um projeto de lei aprovado no Congresso – permitiria a cessão de um pedação do território hondurenho pra a empresa construir, vender e gerir a cidade, definindo para isto inclusive uma legislação própria, distinta do conjunto do país. Depois de intensa polêmica e mobilização por parte de entidades e organizações contrarias ao projeto, em outubro do ano passado, a Suprema Corte hondurenha considerou o projeto inconstitucional por violar os princípios de soberania e integridade territorial.
Mas esse não foi o fim da história. Em dezembro, o Congresso Nacional hondurenho aprovou a destituição de quatro juízes da Suprema Corte e, no mesmo dia, o presidente do Congresso juramentou os quatro novos juízes que os substituiriam. A Relatora Especial da ONU para a independência do judiciário, Gabriela Knaul, questionou, em um press release, o motivo para a destituição desses juízes, argumentando que esse é um procedimento usado em casos de má conduta ou incompetência, e não deveria ser usado como represália contra juízes independentes.
Segundo notícias da imprensa hondurenha, essa destituição está diretamente relacionada à questão das cidades modelo. Os juízes destituídos foram exatamente aqueles que votaram contra as cidades privadas. Na semana passada, o Congresso apresentou e aprovou um novo projeto para construção dessas cidades, que inclui diversas modificações na Constituição nacional. De acordo com o advogado Óscar Cruz, responsável por conseguir a inconstitucionalidade da lei anterior, o projeto aprovado não é o mesmo, é pior: viola a organização territorial do Estado, a forma do governo, o marco jurisdicional do país e os direitos fundamentais dos habitantes. Além disso, não foram estabelecidos limites nem territoriais nem jurídicos para a aplicação das zonas das cidades modelo.
A aprovação do projeto no Parlamento gerou diversos protestos, e provavelmente será submetida à Suprema Corte mais uma vez. Contudo, com sua nova composição, as cidades modelo podem ser ratificadas e, finalmente, implementadas. O perigo das cidades privatizadas que ronda Honduras nada mais é do que a exacerbação de um modelo que se insinua em várias cidades do mundo, inclusive do Brasil; no qual a dimensão essencial do caráter público e universal da cidade e do papel do Estado em garanti-lo e promovê-lo é abandonado em nome de uma lógica pautada unicamente pela rentabilidade do negócio. Honduras pode ser a ponta de lança para que esse modelo atinja outros lugares do globo. (de raquelrolnik )Leia tambem: Cidades privadas em Honduras: e se essa moda pega?
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