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William Curry é um cientista do clima e não um crítico de arte. Mas ele passou muito tempo analisando o quadro “George Washington Atravessando o Delaware”, de Gottlieb Leutze, que mostra um barco carregado de soldados coloniais americanos em um rio congelado no dia seguinte ao Natal de 1776.
William Curry é um cientista do clima e não um crítico de arte. Mas ele passou muito tempo analisando o quadro “George Washington Atravessando o Delaware”, de Gottlieb Leutze, que mostra um barco carregado de soldados coloniais americanos em um rio congelado no dia seguinte ao Natal de 1776.
“Posso afirmar que esse tipo de coisa simplesmente não acontece mais”, diz Curry.
Pode
voltar a acontecer em breve. E as cenas de congelamento como as
imortalizadas as pelo pintor flamengo do século 16 Pieter Brueghel, o
`Velho`, também poderão voltar à Europa. Seus quadros, incluindo a
obra-prima de 1565 “Caçadores na Neve”, fazem as paisagens europeias,
hoje temperadas, parecerem mais a Lapônia.
Esses
cenários gélidos foram comuns durante um período que durou
aproximadamente de 1300 a 1850, porque grande parte da América do Norte e
da Europa foi tomada por uma pequena era glacial.
Um
número cada vez maior de cientistas, incluindo muitos na base de
operações de Curry, o Instituto Oceanográfico Woods Hole, em
Massachusetts acredita que há condições para um novo resfriamento
prolongado, ou pequena era glacial.
Embora
ninguém esteja prevendo uma camada de gelo brutal como a que cobriu o
hemisfério norte de geleiras cerca de 12 mil anos atrás, o próximo
resfriamento poderá reduzir as temperaturas médias em 9º C sobre grande
parte dos Estados Unidos e 18°C no nordeste americano, no norte da
Europa e da Ásia.
“Isso
poderá acontecer daqui a dez anos”, disse Terrence Joyce, presidente do
Departamento de Oceanografia Física em Woods Hole. “Quando acontecer,
poderá levar centenas de anos para se reverter”.
Um
relatório deste ano intitulado “Mudanças climáticas abruptas: surpresas
inevitáveis”, produzido pela Academia Nacional de Ciências, avaliou o
custo dos prejuízos na agricultura entre US$ 100 bilhões e US$ 250
bilhões, ao mesmo tempo prevendo que os danos ecológicos poderão ser
vastos e incalculáveis.
Uma
análise sombria: florestas desaparecendo, gastos domésticos mais
elevados, redução da água potável, produções agrícolas menores e
aceleração da extinção de espécies.
As mudanças políticas desde a última era glacial poderão tornar a sobrevivência muito mais difícil para os pobres do mundo.
Nos
períodos de resfriamento anteriores, tribos inteiras simplesmente se
mudaram para o sul, mas essa opção não funciona no mundo moderno e tenso
de fronteiras fechadas.
A
terra está realmente se aquecendo? Na verdade está, diz Joyce. Ele
explica como esse aquecimento poderá surpreendentemente ser o culpado
pela próxima mini-era do gelo.
O paradoxo
é consequência do aparecimento nos últimos 30 anos, no Atlântico Norte,
de enormes rios de água doce, equivalentes a uma camada de 3 metros de
espessura.
Ninguém
sabe ao certo de onde vêm essas correntes doces, mas um grande suspeito é
o derretimento do gelo no Ártico, causado pelo atual ciclo solar.
A tendência da água doce é uma grande novidade nos círculos das ciências oceânicas.
O
oceanógrafo britânico Bob Dickson considera a queda de salinidade e
temperatura no mar de Labrador entre o nordeste do Canadá e a
Groenlândia “possivelmente as maiores mudanças profundas observadas no
registro instrumental oceanográfico moderno”.
A tendência poderia causar uma pequena era glacial, ao subverter a penetração para o norte das águas da Corrente do Golfo.
Normalmente
a Corrente do Golfo, carregada de calor absorvido nos trópicos e sobe
pelas costas leste dos Estados Unidos e do Canadá. Ao fluir para o norte
a corrente transmite calor para o ar. Como os ventos predominantes no
Atlântico Norte sopram para leste, grande parte desse calor vai para
Europa.
É por isso
que muitos cientistas acreditam que as temperaturas de inverno no
continente estão até 20 graus mais quentes que as da América do Norte na
mesma latitude. A gélida Boston, por exemplo, fica quase exatamente na
mesma latitude que a aprazível Roma.
Depois de
transmitir seu calor para o ar, a água agora resfriada torna-se mais
densa e mergulha no Atlântico Norte cerca de 1,5 quilômetro ou mais, num
processo que os oceanógrafos chamam de circulação termohalina.
Mas na
medida em que o Atlântico Norte se enche de água doce torna-se menos
denso, fazendo que as águas carregadas para o norte pela Corrente do
Golfo tenham menor capacidade de afundar.
A nova
massa de água relativamente doce fica na superfície do oceano como um
grande cobertor térmico, ameaçando a circulação termohalina.
Isso
por sua vez poderá fazer a Corrente do Golfo ficar mais lenta ou
desviar-se para o sul. A certa altura, todo o sistema poderia
simplesmente travar, e rapidamente.
Lama oceânica:
Um
travamento rápido já aconteceu antes. A evidência disso, num laboratório
do Woods Hole, está entre 24 mil tubos de policarbonato cheios de uma
lama verde-amarronzada -amostras do piso oceânico.
Uma
amostra em particular foi fundamental. O navio canadense CSS Hudson a
coletou em 1989, em um platô no fundo do oceano, no norte do mar de
Sargaços, cerca de 200 milhas náuticas a nordeste da Bermuda. “É um
lugar peculiar no piso oceânico onde a lama se acumula rapidamente”, diz
Lloyd Keigwin, cientista sênior no Departamento de Geologia e Geofísica
de Woods Hole.
Os
sedimentos do fundo marinho são coalhados de pequenos invertebrados
chamados foraminifera, que Keigwin descreve como `amebas com conchas`,
que podem dar pistas sobre a temperatura do oceano onde elas viveram.
Keigwin
conseguiu avaliar a temperatura em que os pequenos animais de camada
formaram suas conchas de carbonato de cálcio com uma precisão de menos
de 0,5 grau. Ele acoplou isso a uma datação com carbono para determinar a idade de cada camada de sedimento.
Keigwin
esperava encontrar evidências de mudanças climáticas nos últimos
milhares de anos. Mas na amostra do Hudson ele descobriu dados sobre
mudanças abruptas de temperatura nos últimos mil anos, incluindo uma
pequena era glacial que teve em média 2,2 graus a menos que a atual.
“E como o
mar de Sargaços é muito misturado, o esfriamento deve ter sido
generalizado”, diz Keigwin. O mais importante é que ele encontrou
evidências que provam que os ciclos climáticos continuam até hoje.
Certamente
a pequena era glacial de 1300 a 1850 não foi desencadeada pela
libertação de gases do efeito estufa na atmosfera pelos seres humanos.
Mas os ciclos climáticos naturais que derreteram o gelo do Ártico
poderiam ter feito a circulação termohalina travar abruptamente. “Temos quase certeza de que essa foi a causa da última pequena era glacial”, diz Curry.
Um evento
mais recente talvez seja uma evidência melhor de que um clima pode
esfriar rapidamente por causa do travamento termohalino. No final
dos anos 60, uma enorme mancha de água mais doce perto da superfície
apareceu ao largo da costa da Groenlândia, provavelmente em conseqüência
de uma grande descarga de gelo no Atlântico em 1967.
Conhecida
como a Grande Anomalia de Salinidade, ela flutuou para o sul,
instalando-se no Atlântico Norte no início dos anos 70. De lá, ela
interferiu com a circulação termohalina contendo rapidamente a formação
de água profunda no mar de Labrador.
“Acredito
que ela travou o sistema por apenas alguns anos. O resultado foram
invernos muito frios, especialmente na Europa”, diz Curry.
Essa massa de água mais doce, felizmente, foi suficientemente pequena para se dispersar em pouco tempo.
Mas a que está se acumulando lá agora “é grande demais”, diz Joyce.
Para Ruth
Curry, o conhecimento atual é mais que suficiente para permitir
previsões. “Não podemos saber em que ponto o travamento termohalino
poderá realmente começar”, ela diz. “Mas devemos nos preparar para ele.”
Fonte: Brad Lemley-Discover Magazine: http://discovermagazine.com/2002/sep/cover/?searchterm=William%20Curry
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